MARIA GABRIELA LLANSOL, um beijo dado mais tarde

Tudo começou com Témia a ler a súplica que a avó me fazia repetir. Deitada na cama azul, a claridade era azul mais escuro. Era azul mais o escuro. E desta confrontação nascia o quarto, no silêncio de duas idades tão desiguais, mas não antagónicas. Mulher de muitos anos que lhe ensinava, me ensinava que o todo da terra tinha outro esplendor diferente do nosso e que a realidade da água era a respiração silábica em cada palavra; ouviam-se distintamente a correr os meus poucos anos, e o momento estava a ser facetado para o lado da vida eterna; as duas deitadas, lado a lado com ela, não estavamos mortas, estávamos vogando lado a lado sobre a morte, cada uma de nós com as suas armas, e a sua união íntima indestrutível.Seus olhos eram o ponto de partida para a oliveira,primeira sombra rumorejante de Prunus Triloba que me ensinava quantos relevos tem o espaço; a criança que adormece a suplicar é o lugar da aprendizagem.


Havia, todavia, uma noite debaixo da língua da minha avó,um não-dito.
Dizer que é muito amado não equivale. Estava na base da forma segura que eu viria a ser, noite fundamentadora da rapariga que temia a impostura da língua.
in Um Beijo Dado Mais Tarde

Comentários